30 janeiro 2007

O direito à cidade.

Santiago é uma cidade instigante. Apesar de ser uma grande cidade, com cerca de 6 milhões de habitantes (um pouco menos que o Rio de Janeiro), aparenta um ar de segurança. Os carabineros (temidos na era Pinochet), estão por todo lado, impecáveis e atentos com seus uniformes verdes. Dá pra perceber o caminhar tranqüilo e despreocupado das pessoas. Os jovens têm um jeito descontraído e irreverente, muitos deles com roupas e cabelos estilo dark. Sentados pelas portas dos prédios históricos ou deitados nas gramas das praças namorando, eles demonstram um certo ar transgressor. Traduzem o alto nível cultural e político respirado na capital do país mais politizado da América do Sul, terra de Allende e Neruda. É uma experiência e tanto caminhar ao longo da Paseo Ahumada em um sábado pela manhã. Ali você encontra de tudo: bandas de rock, grupos de música nativa, dançarinos de flamenco, apresentaçao de palhaços, estátuas vivas, imitadores de Elvis, ambulantes e muita, muita gente nas ruas. Há uma mistura saudável de famílias, turistas, homens e mulheres, de diferentes classes sociais.

Por onde passamos também na Argentina pudemos perceber que as pessoas saem das suas casas e vivem a cidade. É latente o comércio de rua em várias cidades da Argentina, cada vez mais raro nas cidades brasileiras, onde o comércio, a cultura e o lazer estão cada vez mais restritos aos shoppings, que de certa forma, são o retrato da nossa segregação sócio-espacial.
Nas grandes cidades brasileiras as pessoas têm se enfurnado cada vez mais nesses "espaços privados" em busca de segurança, mas também pra fugir da feiúra e do desconforto das nossas ruas e praças, maltratadas e inseguras.

Nossa elite, muito mais gananciosa e limitada culturalmente do que a dos nossos vizinhos, preferiu ao longo do tempo permitir este estado de coisas. Aí ela se tranca nos shoppings e nos espaços reservados da cidade e deixa as ruas e os guetos para os pobres e criminosos.

Aqui no Rio, temos a Barra da Tijuca, um "macaqueamento" de bairro moderno de país rico, porém envolto por favelas e miséria. Um bairro que é hostil ao pedestre, onde tudo foi criado para o deslocamento por automóvel. O único sinal da presença de pedestres são os pontos de ônibus, destinados quase que exclusivamente aos "prestadores de serviço", não-residentes no bairro e que vivem a quilômetros de distância da nossa "Miami", motivo de piada em outros países.


Enquanto vimos cidades vivas, alimentadas por ruas e praças pulsando de gente, vemos nossas cidades agonizando, vazias e gangrenadas pela sujeira e pela insegurança.


Apesar do Rio de Janeiro ser uma cidade que inspira este convívio, há muito já não percebemos este ambiente nas suas ruas e praças, infelizmente.

"Uma cidade não morre de vez. Vai morrendo nos que nascem quase mortos. Vai morrendo na fome dos que matam e morrem num círculo de extrema impossibilidade. Vai morrendo na mesquinhez dos homens que deveriam morrer. Uma cidade não morre de vez. Morre com os mangues do rio morto, afogando uma solidão que mata. Uma cidade não morre de vez. Morre com a morte dos que a sonharam viva."

José Mário Rodrigues

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